Após recorde de casos em 2024, dengue volta a preocupar
Com recorde de casos no Brasil e no Distrito Federal em 2024, a dengue volta a preocupar autoridades sanitárias por conta do ressurgimento do sorotipo 3 e da sazonalidade da doença, que tem seu auge entre os meses de outubro e maio, sendo que em janeiro, historicamente, há um salto no número de casos. De acordo com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), desde 2023 o sorotipo 3 da dengue, responsável pela epidemia da primeira década dos anos 2000, voltou a ser notificado. “Por não estar em circulação há tanto tempo, o número de pessoas suscetíveis a esse sorotipo é elevado”, informou a fundação, por meio de nota, ressaltando que, até agora, ainda prevalecem no país os sorotipos 1 e 2, responsáveis pela epidemia de 2024.
No Distrito Federal, a Secretaria de Saúde disse que o fato de o sorotipo 3 estar ganhando espaço em outras unidades da federação é um fator preocupante, que precisa ser monitorado, apesar de ter sido notificado apenas um caso em 2022. Este ano, a capital do país registrou o maior número de casos de dengue e de mortes pela doença de sua história.
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Foram registrados 11.704 casos de dengue com sinais de alarme (leia para saber mais), um aumento de 2.079,51% em relação ao ano anterior, que registrou 537 vítimas alarmantes. Os casos graves chegaram a 508, marcando um acréscimo de 1.932%. Até 14 de dezembro, 440 óbitos por dengue haviam sido confirmados, enquanto três ainda estão sob investigação.
Walter Ramalho, professor de epidemiologia da Universidade de Brasília (UnB), explicou que, no DF, as cepas 1 e 2 predominaram durante a última epidemia. “Com isso, as pessoas estão menos suscetíveis a elas, fazendo com que o sorotipo 3 fique em uma situação predominante para 2025”, analisou. Reinfecção
Além do risco de avanço do sorotipo 3 nos próximos meses, existe ainda o perigo de reinfecção e, no DF, foram muitos os casos de pessoas doentes. O infectologista Leandro Machado explica que a reinfecção por dengue ocorre quando uma pessoa que já teve a doença é contaminada por um dos outros três sorotipos do vírus (DEN-1, DEN-2, DEN-3 ou DEN-4).
A situação, segundo o especialista, é mais perigosa devido a um fenômeno conhecido como aumento dependente de anticorpos (ADE, do inglês antibody-dependent enhancement). “Na reinfecção, os anticorpos gerados contra o primeiro sorotipo podem não neutralizar o novo sorotipo e, paradoxalmente, facilitar a entrada do vírus nas células, aumentando a carga viral e a resposta inflamatória do organismo. Esse processo eleva o risco de formas graves da doença, como a dengue grave (antiga dengue hemorrágica) e a síndrome do choque da dengue, condições que podem provocar hemorragias, falência de órgãos e, em casos extremos, levar ao óbito”, afirmou Machado.
Ele alerta que mesmo aqueles que já tiveram dengue anteriormente devem redobrar os cuidados para evitar novas infecções. “Medidas como o uso de repelentes, a eliminação de criadouros do mosquito Aedes aegypti, a proteção contra picadas e a vacinação são essenciais”, reforçou.
A estudante de comunicação Maria Carolina Lima de Paula, 21 anos, enfrentou cerca de 10 dias de sintomas da dengue que a deixaram debilitada. “No começo, suspeitei de infecção. Tive febre alta e muita dor atrás dos olhos. Assim que os sintomas apareceram, fui direto ao hospital. Quando cheguei lá, eles me orientaram a tomar apenas paracetamol e manter muita hidratação, e então segui esse tratamento até o fim da minha recuperação”, disse. Mesmo com sintomas considerados leves, ela temeu a forma mais grave da doença. “Fiquei com medo, confesso! Meu irmão teve dengue hemorrágica no ano passado, e os médicos e os enfermeiros reforçaram que eu precisava me cuidar para não evoluir para um estágio perigoso”, explicou.
Professor da UnB, o sanitarista Jonas Brant disse que é possível que o Distrito Federal tenha um aumento de casos da doença nos próximos meses. Porém, ele acredita que é pouco provável que a capital enfrente uma epidemia. “O mais importante, neste momento, é avaliar os erros do ano passado e nos prepararmos para uma epidemia de chikungunya e uma próxima onda de dengue, monitorando se as ações estão sendo avaliadas e melhoradas”, alertou.
O especialista explicou o motivo de preocupação com a chikungunya. “Temos uma imunidade de rebanho grande contra a dengue, mas não contra a chikungunya, pois não tivemos transmissão, e a doença vem se expandindo no Brasil. Ano passado, outras regiões do Centro-Oeste tiveram grandes epidemias”, pontuou. Números
Segundo o último boletim epidemiológico da Secretaria de Saúde (SES-DF), até a 50ª semana epidemiológica de 2024, foram notificados 323.671 casos suspeitos de dengue, dos quais 284.255 foram considerados prováveis. Entre as confirmações, 97,9% dos casos são de residentes no DF, somando 278.235 vítimas.
Neste ano, foi registrado um aumento de 659,2% no número de casos prováveis de dengue em residentes no DF se comparado ao mesmo período de 2023, quando foram contabilizados 36.647 possíveis vítimas da doença na cidade.
A professora Simone Xavier, 51, define como “aterrorizantes” os dias nos quais teve os sintomas da dengue. “Fiquei sete dias doente. Tudo começou com a pressão arterial subindo, acompanhada de uma dor de cabeça insuportável, dores dentro dos olhos, tontura, enjoo e dores fortes nas juntas, como joelhos, cotovelos, punhos, tornozelos e quadris”, descreveu. Após sentir os sintomas, Simone foi a uma Unidade Básica de Saúde (UBS) onde recebeu orientação para ficar em completo repouso. A infectologista Joana D’arc Gonçalves detalha que a maioria das pessoas que se infectam com um dos sorotipos da dengue podem desenvolver sinais e sintomas leves ou até imperceptíveis. Contudo, em infecções futuras por outro sorotipo, esses anticorpos acabam tendo um papel de amplificação da infecção, não protegem contra as outras cepas e, ao contrário do esperado, além de não protegerem, ajudam o vírus a infectar novas células e a se replicar.
“A própria imunidade do indivíduo, com anticorpos que não neutralizam a doença, piora o quadro com uma resposta inflamatória severa, pois as células de memória formadas na primeira infecção são reativadas de forma mais intensa e robusta, porém, sem conseguir eliminar o vírus”, explicou.
Taxa de vacinação no DF está baixa
A vacinação é fundamental para prevenir a dengue ou, em caso de infecção, reduzir os riscos da forma grave da doença. No Distrito Federal, o imunizante está disponível para crianças e adolescentes de 10 a 14 anos. No entanto, a taxa de imunização na capital é baixa. Segundo a Secretaria de Saúde, apenas 46% tomaram a primeira dose e somente 18,9% tomaram a segunda. Há 17 mil doses em estoque na Rede de Frio Central (GRF).
O esquema vacinal ocorre em duas doses, com um intervalo de 90 dias entre elas. Mas se a pessoa foi diagnósticada com dengue, é preciso esperar seis meses para começar a vacinação. Segundo a Secretaria de Saúde, a imunização não é indicada para indivíduos com imunodeficiência congênita ou adquirida, incluindo aqueles em terapias imunossupressoras, com infecção por HIV sintomática ou com evidência de função imunológica comprometida, e pessoas com hipersensibilidade às substâncias listadas na bula, além de mulheres gestantes ou em fase de amamentação. Combate
Segundo a Secretaria de Saúde do DF, cerca de 5 mil imóveis são visitados diariamente pelos agentes de saúde. No início deste ano, o Governo do Distrito Federal (GDF) nomeou 150 agentes de vigilância ambiental (Avas) e 115 agentes comunitários de saúde (ACS´s). Atualmente, há 512 agentes de Vigilância Ambiental em Saúde (Avas) trabalhando e, hoje, o DF conta com 25 carros de fumacê.
Além disso, o governo vem reforçando as ações de controle vetorial com a incorporação de novas tecnologias. No momento, as equipes estão implementando estações disseminadoras de larvicida em locais de maior risco, bem como ações de borrifação residual intradomiciliar, que é uma estratégia de controle químico de vetores que consiste na pulverização de inseticida de efeito residual nas paredes internas dos imóveis.
Essas ações, de acordo com a pasta, reforçam as demais rotineiramente implementadas, como a realização de levantamento de índices de infestação, monitoramento de armadilhas ovitrampas — constituídas de um vaso de planta preto, no qual são adicionados água, uma palheta de madeira e substância atrativa para o mosquito —, visitas domiciliares para eliminação de focos de transmissão, orientações à população e tratamento de focos que não sejam passíveis de eliminação.
Fonte: correio brasiliense