Povos indígenas marcham em Brasília contra marco temporal
Povos indígenas de diversas regiões do país estão mobilizados nesta quarta-feira (20), em Brasília, contra a tese do marco temporal de seus territórios, que volta a ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e contra o Projeto de Lei (PL) 2.903/2023 que trata do mesmo tema. Os povos reivindicam também a demarcação imediata de suas terras. O PL 2.903/2023 estabelece que os povos indígenas só têm direito às áreas que já eram ocupadas por eles no dia da promulgação da Constituição Federal de 1988 (5 de outubro do mesmo ano).
Aprovado na Câmara dos Deputados, o projeto recebeu parecer favorável do relator, senador Marcos Rogério (PL-RO), e esteve em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado hoje de manhã.
Os atos de protesto começaram em frente à Biblioteca Nacional, no centro da capital, com cerca de mil indígenas, organizados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Os indígenas fizeram rodas separadas de homens e mulheres para dançar e entoar cantos de seus povos. Nos corpos pintados com líquidos extraídos das frutas amazônicas jenipapo e urucum, eles exibiram adornos típicos com miçangas e penas.
Brasília (DF), 20/09/2023, Lideranças indígenas fazem passeata contra marco temporal na Esplanada dos Ministérios. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil – Antônio Cruz/Agência Brasil
Nas mãos, ferramentas como bordunas, arcos e flechas. Idosos, jovens e crianças indigenas também seguraram cartazes e faixas com reivindicações de direitos.
Em entrevista coletiva, as lideranças indígenas se posicionaram contra o marco temporal em seus territórios. O cacique Kretã Kaingang, um dos coordenadores da Apib, questionou o voto do ministro do STF Alexandre de Moraes na parte que trata da indenização aos fazendeiros que ocupam atualmente as terras.
“O que nos preocupa muito é a questão da indenização sobre a terra nua, a indenização prévia. Nós não somos contra o pagamento de indenização de pequenos agricultores, mas isso não pode estar incluído no voto do marco temporal. Tem que ficar fora”.
Ariene Susui, da etnia Wapichana, em Roraima, disse que a mobilização dos indígenas, em Brasília, é para garantir que direitos conquistados não sejam negociados. “Defendemos os direitos que estão a Constituição Federal de 1988. Direitos devem ser respeitados, ser resguardados e não serem questionados. Nós estamos aqui numa luta não só pelos povos indígenas, nós lutamos pela sociedade brasileira e também do mundo. Somos os povos guardiões dos biomas, também estamos presentes nessa sociedade. Contribuímos com o nosso conhecimento, com os nossos saberes. Estamos em vários espaços.”
O cacique-geral do povo Xokleng, Nilton Ndili, pediu agilidade na demarcação dos territórios dos povos originários do Brasil. “Estamos em luta, buscando direitos para que não seja esquecida ou abolida a nossa história, para que o nosso direito seja respeitado dentro da Constituição [Federal]. Então, aguardamos que seja demarcado o território brasileiro para a nossa nação indígena.”
A anciã de 74 anos Isabela, do povo Xokleng, vinda de Santa Catarina, falou no idioma nativo, com a tradução de um intérprete, que é preciso pôr fim aos assassinatos de indígenas. “Chega de morte dentro do nosso território. Chega de matança com nossos povos tradicionais. Não queremos mais viver na tristeza. Queremos nosso território para sermos felizes na nossa terra, vivendo nossos costumes e nossas tradições”.
Para outra representante da etnia Xokleng, a jovem Txulu, o julgamento no STF ultrapassa a questão do direito pelas comunidades indígenas. “O julgamento de hoje vai determinar a vida das pessoas indígenas, das nossas crianças, das nossas florestas e dos nossos rios. Então, é importante que toda a sociedade civil, que todos os ministros, senadores entendam que o que está em jogo, hoje, não é somente a questão de um pedaço de chão, mas são as nossas vidas.
O advogado Maurício Terena, coordenador jurídico na Apib, acompanhou as discussões sobre o PL 2903, na CCJ do Senado Federal, nesta quarta-feira e lamentou que apenas dez indígenas foram autorizados a acompanhar os debates em torno do PL. Maurício Terena ainda considerou o texto da proposta como mais um ataque dos parlamentares contra os direitos dos povos indígenas.
“Não aguentamos mais esse terrorismo, quando temos nossas terras invadidas, madeireiro extraindo riquezas e grileiros invadindo nossos territórios. Nós não aguentamos mais! São séculos de luta. Eu sou um jovem indígena, mas quantos anciões estão aqui, que passaram suas juventudes lutando? É luta atrás de luta para garantir nossos direitos. E só através dessa luta vamos conseguir frear o marco temporal,” disse Terena.
Para o líder indígena, os ocupantes das terras devem recorrer à Justiça para cobrar as indenizações dos governos estatuais e federal. “Não jogue mais uma responsabilidade para nós, povos indígenas do Brasil, para não entrarmos em conflito. Porque no caso de permanecer a tese do ministro Alexandre de Moraes, muitos conflitos ainda irão acontecer.”
Em seguida, por volta das 12h30, os indígenas saíram em marcha pacífica pela Esplanada dos Ministérios até a Praça dos Três Poderes, onde acompanharão o julgamento do STF nesta tarde.
Agencia Brasil