Horário de verão: gargalo está na distribuição da energia, sugerem especialistas
A retomada do horário de verão, ainda em análise pelo governo federal, evidencia as preocupações em relação ao aumento do consumo de energia e a pressão que isso causa ao sistema energético brasileiro.
Especialistas consultados pelo R7, parceiro nacional do Portal Correio, dizem que o maior problema está na distribuição da energia, impactando na conta de luz dos brasileiros. Em outubro, a bandeira tarifária de energia será a vermelha patamar 2, a mais cara de todas. Nesse patamar, são cobrados R$ 7,877 para cada 100 quilowatt-hora consumidos.
A economista Cilene Cardoso destaca que nos últimos anos aconteceram mudanças no consumo de energia elétrica, tanto para empresas quanto para famílias. Antes, os maiores picos de consumo aconteciam entre 18h e 21h. Agora, as pessoas estão usando mais energia em outros horários, principalmente devido ao aumento do uso de aparelhos como televisores.
Por isso, Cilene acredita que a discussão deve focar menos na volta do horário de verão e mais em políticas públicas e investimentos em infraestrutura para evitar sobrecargas no consumo de energia.
“Houve uma reconfiguração do perfil de consumo energético, e o debate atual deve focar em políticas públicas claras que promovam o uso de energia solar, sendo mais limpa e favorável a longo prazo.”
Atualmente, 20% da energia do Brasil vêm de fontes solares, enquanto 45% ainda são de hidrelétricas. Com as secas mais frequentes, o país enfrenta dois problemas: o aumento do custo da energia, já que a energia térmica é mais cara e poluente, e a sobrecarga do sistema, com picos de consumo em horários diferentes do que acontecia antes.
A especialista acredita que o horário de verão pode gerar economia, mas o foco principal deve ser como as políticas públicas podem ajudar toda a matriz energética. O governo estima que a economia de energia durante os horários de pico com essa medida seria de cerca de R$ 400 milhões entre outubro e fevereiro, o que corresponderia a uma redução de aproximadamente 2,5 gigawatts na demanda.
“A energia térmica, além de mais cara, é mais poluente. Qualquer redução nas tarifas de energia é benéfica para o consumidor, mas é preciso também estudar se o retorno do horário de verão ajudaria a melhorar a qualidade da matriz energética e reduzir os poluentes”, diz. “A medida pode trazer economias, mas o ponto crucial é se isso realmente vai contribuir para uma matriz energética mais limpa e sustentável.”
Investimentos
O advogado tributarista Luis Claudio Yukio Vatari concorda que a discussão sobre o horário de verão deve ter como pano de fundo o reforço nos investimentos em diversificação energética.
Ele aponta, ainda, para a relação entre a disponibilidade de recursos hídricos e o planejamento de novos projetos de energia. Até o início deste ano, as empresas de energia renovável estavam adiando novos projetos devido a incertezas sobre a disponibilidade de água nos reservatórios que abastecem as hidrelétricas. Apenas os projetos com contratos assinados durante a última seca, em 2021, continuaram a ser desenvolvidos.
“A utilização de bandeira tarifária maior, se por um lado é ruim para o consumidor, por outro lado, traz um cenário propício para um investimento de infraestrutura, deixando o sistema brasileiro menos exposto a um longo período”, pontua.
“Hoje, o gargalo na infraestrutura não é a geração em si, mas a distribuição da energia dos centros de produção para os locais de consumo. Não à toa foram diversas rodadas para concessão e ampliação da rede de distribuição”, completa.
Vai faltar energia?
Wagner Ferreira, advogado especializado no setor de energia, destaca que, apesar da seca, os reservatórios, atualmente com 50% de sua capacidade, ainda garantem uma certa tranquilidade para enfrentar mais algumas semanas de estiagem.
“É provável que a bandeira vermelha permaneça durante o pico da seca mais intensa. No entanto, em novembro e dezembro, esperamos condições hidrológicas mais favoráveis. Com a nossa capacidade de geração renovável, como solar e eólica, temos um cenário bastante seguro para os consumidores de energia”, afirma.
Ele também enfatiza que o Brasil possui uma das melhores condições de geração de energia do mundo, com fontes que incluem energia solar, eólica, termelétrica e hidrelétrica. “Esse mix precisa ser gerenciado para garantir segurança à sociedade e oferecer preços acessíveis para os consumidores”, conclui.
O que diz o ONS
Na semana passada, devido à seca e ao aumento das temperaturas, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) divulgou que uma das medidas para garantir o fornecimento de energia em todo o país será a ativação de novas linhas de transmissão de energia para garantir que a energia gerada seja distribuída nos próximos meses.
Além disso, o ONS planeja uma operação flexível das usinas para reduzir custo. O órgão aprovou mudanças na operação do reservatório da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, com uma vazão mínima de 100 metros cúbicos por segundo.
Nesse contexto, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico recomendou ao Ministério de Minas e Energia o retorno do horário de verão, que foi encerrado em 2019 durante o governo de Jair Bolsonaro. A discussão sobre essa medida está em andamento no governo, que conversa com os setores que serão afetados. A decisão final será tomada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Fonte: portal correio